Sobre o real significado das Capitanias Hereditárias

Em twitt recente o vice-presidente General Mourão fez uma referência homenageando o instituto das Capitanias Hereditárias. Para muitos de nós esse tipo de declaração desperta um certo estranhamento, devendo ser relativizada. Na verdade, as forças que governam o país adotaram um claro direcionamento no sentido de reconstruir a história a partir de valores que sejam coincidentes aos seus interesses políticos. Esse processo de inversão da realidade é necessário, tendo em vista que a política adotada é totalmente ofensiva aos interesses mais básicos e imediatos da maioria da população, dessa forma, o processo de “emburrecimento” coletivo é parte da garantia do controle das mentes e corações.

Sobre as Capitanias Hereditárias, o que de fato elas significaram na história da formação social do Brasil?

O processo de ocupação do que hoje conhecemos como Brasil foi iniciado pelo menos trinta anos após o achamento do território (achamento é um termo que a historiografia moderna tem utilizado no lugar de descobrimento, tendo em vista que não há descobrimento de algo que já existia e era ocupado por outras civilizações). Nessas primeiras três décadas a coroa portuguesa realizou uma série de incursões no sentido de explorar as riquezas e prospectar possibilidades de ocupação do solo. A necessidade de que esse processo ocupacional fosse realizado se ampliava na medida em que outras monarquias realizavam tentativas de ocupação do território, como no caso da França, a qual fundou a França Equinocial, no atual Maranhão e a França Antártica, na Baía de Guanabara.

Diante disso, as Capitanias significaram nada mais nada menos do que o loteamento do território em faixas para usufruto, exploração e administração por portugueses nobres e distintos que se comprometessem com o processo de ocupação territorial. Essas capitanias seriam repassadas de pais para filhos, ou seja, hereditariamente.  

Quando o vice-presidente elogia esse instrumento como um exemplo de empreendedorismo é claro que ele objetiva com isso agregar valor a um conceito que se tornou parte da vida cotidiana. O empreendedorismo é a tábua de salvação para as pessoas, todo mundo deve buscar ter seu próprio negócio e não esperar políticas públicas que viabilizem o vínculo empregatício formal. Esperar do Estado qualquer política nesse sentido é algo desprezível, coisa de gente preguiçosa e sem iniciativa própria. Sendo assim, a palavra empreendedorismo tem que estar atrelada a algo que tenha tido um suposto sucesso, como no caso das Capitanias.

Na verdade, as Capitanias Hereditárias são o primeiro exemplo do processo de construção de privilégios, onde uns poucos garantem acesso à terra, a renda, a educação, aos espaços decisórios, não por sua capacidade, mas por sua proximidade com as estruturas de poder. Processos como os que deram origem às Capitanias são perfeitamente observados até hoje, como quando o filho do mesmo General ascende a um cargo diretivo no Banco do Brasil pela pura e simples influência política do pai. Além disso, devemos lembrar que a efetiva ocupação do território pelas capitanias está diretamente ligada ao processo de implantação do regime escravista no Brasil colonial. Ou seja, todo o “empreendedorismo” dos donatários está associado diretamente ao tolhimento da liberdade e ao cativeiro de milhares de negros e negras escravizados por mais de três séculos. Sobre isso o twitt do general não fala.

Deixe um comentário