Destaque

O discurso de Bolsonaro deixa claro o seu projeto político, precisamos também deixar claro o nosso

93377364_2532568803515665_5690973633049001984_oBolsonaro discursou para apoiadores em ato contra a democracia. Foto: Evaristo Sá / AFP

A comemoração do Dia do Exército no último domingo (19) foi a deixa para mais uma manifestação pública da extrema direita brasileira. Como se não bastasse continuar ignorando as orientações sanitárias de distanciamento social, os fascistas ocuparam as ruas das principais cidades conclamando às forças armadas a interverem politicamente (o que já ocorre), fechando o regime através de um novo AI-5.

A cereja foi posta em cima do bolo no final da tarde, quando o presidente Jair Bolsonaro se juntou aos manifestantes de Brasília, em frente ao QG do Exército, e deu mais uma demonstração clara e manifesta de que pretende, se tiver condições práticas para isso, fechar definitivamente o regime político e impor mais um período ditatorial ao povo brasileiro.

Bolsonaro tem posto as claras onde pretende chegar com a condução que dá ao governo. Ir na contramão de todas as orientações científicas no enfrentamento à crise do Coronavírus é um aceno constante à sua base eleitoral composta majoritariamente por setores fundamentalistas e pelo pequeno-patronato economicamente atingido pelas restrições às atividades comerciais. Dessa forma, ele tem consigo uma base de apoio social significativamente grande e constantemente mobilizada em sua defesa, numa espécie de culto à personalidade do “grande mito”.

Se ilude quem pensa que a disputa política fundamental é aquela travada entre o Bolsonarismo e o Centrão, como o oligopólio da mídia tenta fazer parecer ser. Esses dois setores fazem parte do mesmo projeto político e continuam de braços dados no que tange ao sufocamento de uma alternativa à esquerda. A divergência entre eles está no até onde seria o limite de ação do presidente. É essa faixa limite que está em disputa.

Não devemos nos esquecer que durante o processo eleitoral essa mesma direita fez pouco caso sobre a possibilidade de Bolsonaro levar adiante um projeto autoritário. No cálculo da burguesia ele seria domesticável e controlável. Neste sentido, a economia foi entregue de pacote fechado aos neoliberais e a base ministerial aos militares que, em tese, não pretenderiam mais um regime fechado nos moldes de 1964. Na cabeça dessa burguesia, representada ideologicamente pelo Centrão, esses movimentos seriam suficientes para contornar o ímpeto bonapartista do Capitão.

Diante deste cenário, é imperativo que as forças de esquerda tenham a clareza necessária sobre o que cada ente nessa disputa de fato representa. Não nos cabe estar a reboque dos setores da direita que hoje se opõem pontualmente ao governo. A defesa do fim do governo Bolsonaro é imperativa, urgente e deve estar atrelada a um programa político próprio de soberania nacional, garantia dos direitos sociais ainda existentes e retomada dos direitos que foram assaltados do povo. Cabe à esquerda, em especial ao Partido dos Trabalhadores, o papel de representação da classe trabalhadora e do povo pobre, e para isso o primeiro passo é assumir definitivamente o Fora Bolsonaro, seu governo e suas políticas como palavra de ordem e bandeira de luta!

Destaque

A derrota de Bernie Sanders para o regime político norte americano

bernie-sanders-esta-nos-ensinando-como-derrotar-bolsonaro-por-gustavo-conde-bernie-sanders3-696x464

Na última quarta-feira (08/04) o então pré-candidato à presidência dos Estados Unidos, Bernie Sanders, abriu mão da possibilidade de ser indicado pelo Partido Democrata para a disputa eleitoral contra Donald Trump. Dessa forma, Joe Biden, vice-presidente nos governos de Barack Obama, será o concorrente do partido nas eleições marcadas para novembro.

Senador da república, Sanders tentou pela segunda vez concorrer à vaga Democrata na disputa pela presidência. Em 2016 ele disputou com ex-primeira dama e secretária de Estado Hillary Clinton, tendo um desempenho surpreendente e trazendo para o debate público norte americano temas e perspectivas tolhidas pela forma injusta como se organiza o sistema político e eleitoral do país, calcado num bipartidário que praticamente impede alternativas que fujam do controle das alas mais conservadoras da sociedade e da elite econômica do país.

Nos primeiros estados onde as eleições primárias foram realizadas, Sanders, que se intitula socialista, aparecia liderando o quadro de delegados, e as pesquisas acerca das primárias seguintes eram otimistas quanto à possibilidade de ser o escolhido na convenção do partido. Com uma candidatura que conseguiu captar quase U$ 200 milhões com o apoio de doadores voluntários e não aceitando recursos dos grandes capitalistas, o senador por Vermont mostrou que existe na base da sociedade norte americana espaço para a eclosão de uma nova força política que supere a ordem estabelecida e perpetuada pelo modelo de organização política e eleitoral.

A sorte do candidato antissistema começou a ruir quando o bilionário Michael Bloomberg, que gastou meio bilhão de dólares da sua fortuna pessoal com a candidatura, abriu mão da campanha no começo de março em favor de Biden, deixando claro o poder do establishment no direcionamento do processo, mesmo com todas as pesquisas indicando que Sanders seria a melhor aposta para contrapor o discurso e a política de Donald Trump. Desde o momento da retira da pré-candidatura de Bloomberg o sentido da campanha mudou e nas primárias seguintes o desempenho de Sanders esteve longe do que se prognosticava anteriormente. A mudança de cenário culminou com a retirada da candidatura anunciada por Sanders na última quarta.

Neste momento a leitura que pode ser feita é que a superestrutura do Partido Democrata, que não é em nada diferente da Republicana no essencial, conseguiu sufocar a sua ala “rebelde”. E, daqui por diante, é necessário fazer a leitura do que essa ala “rebelde” fará com o capital político acumulado durante o período. As primeiras indicações vão no sentido de que eles utilizarão esse capital para influenciar o partido a adotar na campanha, e num eventual governo, as pautas defendidas por Sanders, principalmente no que diz respeito a uma presença forte do Estado no setor social. A experiência histórica não dá nenhum sinal de que isso vá se configurar na prática, o que pode custar ao movimento encabeçado por Sanders um refluxo irrecuperável a médio prazo.

Destaque

Bolsonaro e mais um aceno ao fundamentalismo

Na última semana Jair Bolsonaro e uma miríade de lideranças religiosas evangélicas mobilizaram as suas militâncias fundamentalistas convocando-as para “um dia de jejum e oração contra a praga do Coronavírus”. Não se trata de uma ação meramente religiosa, nem tão pouco de uma atitude desesperada de quem tem sofrido perdas importantes na sua base de apoio.

É nítido que a aposta de Bolsonaro em ir na contramão do mundo civilizado na gestão da pandemia por Coronavírus lhe custou parte importante do apoio que o trouxe até aqui. Mesmo que sua política esteja em acordo com o grosso da burguesia no que diz respeito à pauta econômica e na contraposição à Lula e ao PT, a postura do presidente e de seu séquito familiar causou uma ruptura difícil de ser recomposta com grande parte desse setor.

Existe hoje, a grosso modo, uma divisão do eleitorado brasileiro em três partes muito próximas quantitativamente. Numa ponta está o que convencionou-se chamar de bolsonarismo, na outra o campo da esquerda, majoritariamente petista/lulista, e no terceiro polo o fiel da balança, aqueles que formam sua opinião a partir de interesses mais pessoais e imediatos, seguindo normalmente o receituário da grande mídia. Na eleição passada, por exemplo, o reforço ao antipetismo foi muito mais evidenciado do que o risco de caminharmos para um regime de tipo fascista, o que levou a maior parte desse eleitorado a apostar suas fichas na candidatura de Bolsonaro.

O ponto importante é que essa terça parte flutuante hoje não aparenta mais fazer parte do lastro político do bolsonarismo, o que não quer dizer que ela migrou para o nosso campo. Porém, este cenário coloca sob risco a manutenção do governo, considerando que a burguesia calcula obviamente com a possibilidade de retirá-lo do cargo para levar adiante seu projeto em águas mais calmas.

Tendo em vista o conflito que Bolsonaro conseguiu capitalizar com o oligopólio da mídia, com quase todos os governadores e com a maioria do parlamento, além das desavenças com o ministro da saúde, o silêncio quase absoluto de Sérgio Moro, a postura dissidente de parte do judiciário e a tutela cada vez maior imposta pelo generalato, o presidente inteligentemente acena para a sua militância mais fiel e que age a partir de princípios que correm num plano a parte de qualquer pensamento racional.

É claro que as lideranças religiosas que mobilizam as massas que estão sob seu controle não agem fora de um cálculo racional e seguro a seus interesses, mas elas jogam com a fé e a disposição inconsciente dos seus militantes. E é no sentido de trazer cada vez mais para perto de si esse contingente que foi feita a convocação para o “dia de jejum e oração” realizado durante toda a semana. É um sinal de que Bolsonaro e seus pastores dobraram a aposta e demonstram que vão até o fim com ela.

O que acontece a partir disso é de difícil previsão, considerando que a solução real para o problema não é do interesse de que quem o criou, e que hoje quer apenas contorná-lo. Eleições livres para superar a fraude de 2018 não estão na ordem do dia da burguesia. A esquerda ainda titubeia no entendimento sob de que forma deve atuar neste cenário, compreendendo que um passo errado seu pode servir mais para perpetuar esse estado de coisas do que para recuperar a democracia e voltar a melhorar a vida do povo pobre e trabalhador. Aparentemente só o bolsonarismo tem definido o que quer e de que forma agir. Se a sua escolha tiver sucesso podemos nos preparar para tempos de obscuridade extrema. Se der errado, é provável que só lhes reste o suicídio político coletivo.

Destaque

Coronavírus e a política do “deixa morrer”

O governo federal gastou quase 5 milhões de reais, sem licitação, numa campanha publicitária para convencer as pessoas de que “salvar” a economia neste momento é mais importante que controlar o surto epidemiológico.

1. O que a comunidade científica enfatiza sobre o vírus e sobre o regime de isolamento é que há uma necessidade extrema de que o pico infectológico seja restringido ao máximo, pois, neste pico, o que vai causar grande volume de mortes é a insuficiência do sistema de saúde em dar conta da demanda de gente doente. Esse é o quadro atual da Itália, onde já estão tendo que escolher entre quem viverá e quem morrerá. Então, quanto maior o isolamento, menos pessoas deverão estar em estado crítico no ápice da epidemia, e, consequentemente, menos pessoas precisarão morrer sem assistência médica.

2. É obvio que existe uma preocupação legítima entre os trabalhadores e uma ansiedade em voltar a normalidade cotidiana, tendo em vista as necessidades imediatas que a vida impõe. É nesse momento que o Estado, ou seja, o governo a nível federal, deveria assumir o protagonismo implementando uma série de políticas públicas emergenciais visando socorrer os trabalhadores informais, os desempregados, os empregados formalizados afastados da sua atividade e também as pequenas e médias empresas, que são as que mais empregam e que têm o menor lastro de sustentação econômica em situações de crise.

3. Muito se questiona a capacidade de captação de recursos de forma tão rápida. Exite uma série de medidas que podem e deveriam ser tomadas de forma emergencial, desde a taxação de grandes capitais até a suspensão do pagamento do serviço da dívida pública, ou seja, suspender o pagamento de juros. Hoje só o pagamento desses juros consome perto da metade do orçamento público do país.

4. Por fim, há a pressão dos grupos de interesse que sabem que a corda vai arrebentar na base da pirâmide social. Como essas pessoas sabem que não morrerão, pois têm recursos econômicos para manter a vida, elas usam o desespero dos precarizados, amplificado pela política do “deixe morrer” do governo. No final essas vozes se unem exigindo o fim da quarentena, mas com motivações completamente diferentes: Os grandes capitalistas porque enxergam a vida dos outros como um número, como estatística. O governo federal porque é escravo do sistema financeiro e do grande empresariado. E as classes médias e baixas, que preferem antes morrer pela contaminação do vírus do que morrer de fome.

Destaque

O limite da ignorância

É nítido e claro que o atual presidente da república não é uma pessoa provida de acervo cultural elevado, nem com acúmulo de conhecimento técnico sobre qualquer assunto que esteja diretamente ligado à função que exerce. Essa constatação por si só não nos dá elementos suficientes para tecer um julgamento sobre sua forma de governar, nem sobre os resultados do seu governo. Porém, o dia a dia vem mostrando que Bolsonaro alinha perfeitamente a ausência de atributos à uma espécie de orgulho da própria ignorância, procurando transformar sua limitação numa qualidade e aplicando uma espécie de política de salvação messiânica.

No último domingo, dia 22 de março, em entrevista exclusiva à sua aliada TV Record, o presidente soltou mais bravatas e disparates em relação à política de combate ao Coronavírus (ou a ausência delas). Diante disso, destacamos três pontos:

Primeiro usou a diferença na densidade demográfica entre Brasil e Itália para justificar um alarmismo exacerbado que tem prejudicado a economia desnecessariamente. É verdade que a Itália é um país mais densamente povoado, com mais habitantes por quilômetros quadrados. Mas a Itália também tem uma distribuição muito mais uniforme da sua população, enquanto que o Brasil tem grande parte do território com baixíssimas taxas de ocupação, como na Amazônia, no cerrado e no semiárido nordestino. Em contrapartida, outras áreas, principalmente no litoral, são extremamente populosas. São Paulo e seu entorno, por exemplo, comportam mais de 20 milhões de habitantes, enquanto que a área urbana de Milão, maior da Itália, tem pouco mais de 4 milhões de pessoas. Isso sem nem mencionar as condições de abastecimento d’água, de saneamento e de uma série de outros serviços essenciais que são muito mais precários aqui que lá, aumentando os efeitos de uma crise epidêmica.

Num segundo momento, quando questionado sobre ataques que têm desferido aos governadores, Bolsonaro se defendeu dizendo que não ataca ninguém, ao contrário, que tem sido atacado por políticos com objetivos eleitorais. Ou seja, para ele o debate público não passa de uma birra, como uma criança que briga na rua e quando a mãe o repreende se defende alegando que o outro começou a contenda. Diante dessa impostura crônica até aqui não há nenhuma política nacional articulada com as unidades federativas para o combate aos efeitos do vírus, o que provavelmente repercutirá diretamente no número de vítimas.

Num terceiro ponto, já no final da entrevista, ele irresponsavelmente reverbera, como feito numa live dias antes, que determinado medicamento teria efeitos positivos no combate ao COVID-19, isso sem uma comprovação científica. Cita uma série de laboratórios farmacêuticos, fazendo propaganda como se fosse um “merchan”. De concreto os efeitos de mais essa irresponsabilidade foi a procura demasiada pela medicação, eliminando seus estoques e prejudicando pacientes crônicos que dependem dela para viver.

Enfim, Bolsonaro governa sabendo dos seus limites psíquicos, culturais, técnicos e sociais, e isso é um sinal de inteligência. Como um lutador de MMA ele tenta trazer o combate para a especialidade que domina, transcendendo da ignorância pura para uma ignorância consistente e perigosa.

Destaque

Sobre o documentário Indústria Americana

Sobre o documentário vencedor do Oscar 2020 pelo menos três pontos cabem ser abordados:


1. Indústria Americana e Democracia em Vertigem tratam de temas diferentes e usam formas de abordagem diferentes para tratá-los. Sendo assim, a única semelhança entre os dois está na qualidade dos trabalhos e na certeza de que ambos nos servem como fonte de reflexão sobre as temáticas da democracia, do mundo do trabalho e das relações de classe.

2. Indústria Americana nos mostra na prática que a organização dos trabalhadores é mais fraca na medida em que ela é mais fracionada (modelo americano). A organização de sindicatos por empresa, como preconiza a proposta de reforma sindical do atual governo brasileiro, só contribui para que a classe patronal tenha ainda mais mecanismos para adoção de práticas antissindicais.

3. A perspectiva dos chineses em relação ao trabalho e a resistência deles à organização sindical a princípio soa contraditória a um modelo de sociedade comunista. Neste sentido o hibridismo do modelo chinês acaba provocando algumas contradições. Porém, devemos ter em mente que o conceito da produção numa sociedade como a chinesa está voltado para o desenvolvimento social e coletivo, o trabalho dedicado de cada um, em tese, está a serviço do avanço da coletividade da qual faz parte. Sendo assim, a visão sobre o papel do sindicato também muda, tendo em vista que determinados aspectos da luta entre as classes já estariam superados ou em vias de superação.

Destaque

Ataque dos Estados Unidos ao Irã, o feliz ano novo do imperialismo

A novo ano mal começou e a política internacional se agita completamente com o assassinato do segundo homem mais importante do Irã, o general Qassem Soleimani, morto num ataque militar ordenado diretamente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Depois do fracasso na intervenção sobre a Síria, tudo indica que a política imperialista do Tio Sam se volta novamente para a república islâmica localizada no Golfo Pérsico.

As partículas ainda continuam muito agitadas, tamanho o choque que a notícia causou à geopolítica mundial, o que dificulta neste momento uma análise mais acurada sobre todas as possíveis razões que estariam por traz da ação do Império. O discurso oficial da Casa Branca não foge ao seu tradicional protocolo e apresenta o ataque como represália a uma ação “terrorista” anterior dos persas, o que, obviamente, não deve ser levado a sério, tendo em vista o histórico falacioso do seu discurso oficial.

Neste primeiro momento dois elementos vêm à mente de forma quase que imediata. O primeiro deles foi o anúncio realizado em novembro passado pelo presidente Hassan Rohani sobre a descoberta de mais um campo importante de petróleo em território iraniano que pode elevar em até um terço as reservas do país. Como sabemos, por experiência própria, todo país terceiro mundista que se cacifa em termos desse recurso essencial entra imediatamente na rota de intervenção dos ianques. O segundo elemento diz respeito à política interna dos Estados Unidos. A corrida eleitoral para a escolha presidencial ocorrerá em paralelo ao processo de impeachment movido contra Trump, e que já foi acolhido pela câmara dos representantes, de maioria democrata, o que poderia desgastar sua imagem enfraquecendo-o eleitoralmente. Neste caso, a política a ser adotada pelo governo pode apelar para um discurso patriótico e de defesa do Direito Manifesto, doutrina que justifica e legitima a conduta expansionista do país em relação ao resto do mundo. Esta medida pode vir a ser, talvez, uma forma de colocar essa questão num ponto hierarquicamente superior, esvaziando o discurso da oposição em relação ao impeachment.

No que diz respeito ao Irã, o que temos é que, com a Revolução de 1979, foi instaurado no país um regime político controlado pelos aiatolás, líderes da doutrina xiita do islã. Dessa forma, ao mesmo tempo em que era imposta a toda população a lei islâmica e a doutrina xiita como conduta social obrigatória, o novo regime pôs abaixo o governo do Xá Pahlavi, totalmente alinhado com a política imperialista norte-americana. Desde então, o Irã se tornou um inimigo de primeira hora no Oriente Médio, principalmente pela sua condição energética privilegiada e pelo seu alto desenvolvimento no campo da tecnologia nuclear. Essa condição coloca o fundamentalismo religioso iraniano numa posição diametralmente oposta ao nosso crescente fundamentalismo cristão de base evangélica que tomou conta de parte significativa dos espaços políticos e que controla um eleitorado decisivo hoje em qualquer processo eleitoral. Enquanto o fundamentalismo xiita no Irã tem uma característica de proteção dos interesses nacionais e se põe em linha de choque contra o imperialismo, o nosso é totalmente alinhado às políticas de destruição total da soberania nacional e de entrega dos nossos recursos às potencias imperialistas, em especial ao Estados Unidos.

Não podemos deixar de lado, é claro, o papel central de Israel dentro dessa disputa. O país sionista é inimigo mortal do Irã e aliado de primeira hora dos Estados Unidos no Médio Oriente. Apesar de não partilharem fronteira, o Hezbollah, organização partidária centralizada no Líbano, que faz fronteira com Israel, recebe apoio financeiro e logístico direto do Irã e compartilha com a maioria dos persas a linha doutrinária xiita do islamismo. Esse quadro coloca Israel numa situação de interesse direto em desarticular todo e qualquer movimento de desenvolvimento e estabilização do regime político iraniano.

Diante desse quadro, mesmo com todos os senões que possam ser levantados em relação aos fundamentalismos de caráter religioso, sejam eles de qualquer base doutrinária, é determinante que tenhamos em mente que essa é mais uma situação em que o imperialismo tenta impor seus interesses sobre um país de pobre e ainda atrasado, tal como o Brasil. E que a manutenção das garras do imperialismo sobre os nossos territórios é causa direta das desigualdades e da miséria existentes no Irã, no Brasil e em todo terceiro mundo.

Destaque

O carrasco, o capitão do mato e a Polícia Militar

Desde a antiguidade até a constituição da noção de direitos inalienáveis ao homem os crimes eram punidos, a depender da gravidade atribuída, com a pena de morte em “espetáculos” realizados em praças públicas. Dentre os componentes desses processos executórios um tinha a tarefa de pôr um fim físico a vida do condenado, esse elemento era o carrasco. O carrasco normalmente era alguém saído do mesmo contexto de vida dos condenados e dos condenados em potencial que compunham o público presente a cada evento desse tipo. A espetacularização da morte funcionava como um alerta, um exemplo do que poderia lhes acontecer se dessem um passo em falso e contrariassem a ordem imposta pela nobreza. Diante disso o carrasco se apresentava de rosto coberto, já que ao final da sua tarefa ele teria que voltar a mesma realidade de vida das suas vítimas.

A escravidão moderna, fruto do processo de estabelecimento do modo capitalista de produção, teve como base inicial da sua força de trabalho homens e mulheres negras, retirados da África e trazidos ao Novo Mundo para serem incorporados ao regime de trabalhos forçados nas minas e nas grandes fazendas de plantação de monoculturas. Dentre esses indivíduos alguns se destacavam por trabalhar como executores das ordens dos senhores contra outros negros, exercitando a vigilância e aplicando atos punitivos determinados pelo escravocrata contra pessoas da mesma origem que a sua e que se rebelavam contra a exploração que sofriam. A esse elemento era atribuída a alcunha de capitão do mato, ou capanga, termo que permanece vivo representando aqueles indivíduos explorados que ainda hoje executam as ordens dos grandes oligarcas contra outros explorados nos rincões do Brasil.

À sociedade burguesa, a partir da consolidação do estado de direito, não caberia mais o exercício de formas de opressão de uns sobre outros, afinal de contas, todos os seres humanos nasceriam livres e iguais em dignidade e em direitos. Porém, esse conceito ideal sempre esteve e permanece distante da realidade concreta. A sociedade burguesa, pautada pelo capitalismo, produz e reproduz desigualdades, aliena os indivíduos do processo produtivo e concentra nas mãos de uma parcela ínfima da população o produto das riquezas produzidas pela maioria, que, por sua vez, têm que disputar entre si as migalhas que caem das mãos dos poderosos. Diante da farsa da igualdade de direitos naturais, e da necessidade da burguesia em manter o estado de coisas sem comprometer seu discurso, alguns instrumentos foram criados para a manutenção da ordem a partir dos interesses da classe dominante. Neste sentido, a função primordial exercida pelas forças de segurança ostensiva, materializada no Brasil pelas polícias militares, é a de exercer um processo de coerção travestindo-se com uma aura de reguladora da ordem e do bom funcionamento social, partindo do pressuposto de que, se todas as pessoas são iguais em direitos, aquelas que fogem ao ordenamento legal devem ser reprimidas por comprometer o bem-estar e o bom funcionamento dessa sociedade.

A sociedade burguesa se especializou, antes de qualquer outra coisa, em manipular os fatos conforme as necessidades de manutenção do seu status quo, dessa forma, uma série de instrumentos, entre eles a imprensa, serviram e servem como mecanismos de adequação do discurso, da narrativa, como meio de controle das contradições entre o que essa sociedade promete e o que ela produz na vida da grande maioria das pessoas. Neste sentido, se torna mais difícil de compreender a natureza real do papel desempenhado por instrumentos como as polícias do que o papel exercido pelos personagens citados anteriormente, os quais, ninguém em sã consciência discute a natureza perversa da função que executavam.

Diante desse quadro é necessário que fatos como o que ocorreram recentemente em São Paulo, na comunidade de Paraisópolis, não sejam interpretados como pontos fora da curva, nem como fruto de um equívoco na abordagem policial. Na verdade, é necessário que interpretemos os fatos a partir da natureza do que representa o instrumento policial na história da sociedade brasileira. Não é à toa a diferença no tratamento dado pelos seus integrantes a partir da cor da pele e do poder econômico, fato assumido tranquilamente por um comandante da polícia de São Paulo em entrevista recente, onde o mesmo afirmou que a orientação geral do comando é para que a forma de abordagem realizada nos Jardins, bairro nobre da capital, seja diferenciada da abordagem realizada numa comunidade popular. As polícias devem ser compreendidas como um instrumento da burguesia que captura seus executores dentro da mesma classe de explorados, afinal, no conflito entre o “policial bonzinho” e o “bandido mauzinho” uma coisa é certa, só morrerão pessoas oriundas das classes sociais mais baixas da sociedade. Por fim, é necessário que tenhamos em mente que a polícia é um braço armado da burguesia, e que elas, as PMs, nunca servirão de fato à sociedade enquanto esse Estado for controlado por essa burguesia que explora, espolia e manda matar.

Destaque

Futebol: entre o controle social e a mobilização popular

1° Encontro Nacional Pelo Direito de Torcer (Porto Alegre)

No último final de semana o Clube de Regatas do Flamengo, time mais popular do futebol brasileiro, voltou a vencer a Taça Libertadores da América após 38 anos. Em 1981, ano da primeira conquista, o time carioca tinha no elenco craques como Júnior, Adílio, Andrade, Leandro, Nunes e, principalmente, Zico. Muito da popularidade do clube a nível nacional se deve a essa geração de jogadores que dominou o futebol brasileiro na primeira metade da década de 1980, época em que as transmissões de futebol começaram a se tornar parte da grade das principais emissoras de TV.

Ao final do jogo que garantiu a conquista flamenguista, realizado na cidade de Lima, contra o River Plate da Argentina, uma cena chamou bastante atenção. O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, entrou em campo e se ajoelhou aos pés de Gabriel Barbosa, o “Gabigol”, autor dos dois gols que deram a vitória ao time. A reação de Gabriel foi nitidamente de desprezo, saindo de lado e deixando Witzel em situação de ridículo. Minutos depois o mesmo atleta aparece numa foto abraçado ao governador que, no dia seguinte, desembarcou do avião junto com os jogadores e se comportou publicamente como se parte da reação da massa de torcedores que receberam o time de volta fosse também em sua homenagem, um claro gesto de apropriação da conquista esportiva para fins políticos.

No Brasil e no mundo são inúmeras as ocasiões em que esporte mais popular do planeta foi utilizado para reforçar imagens de líderes políticos, ou como forma simular algum nível de popularidade, como no caso do governador do Rio.

O esporte surgiu na Inglaterra na segunda metade do século XIX, muito ligado à atividade fabril. Nessa época, os capitalistas viam no jogo uma forma de controlar a classe operária, evitando que ela extravasasse os efeitos da exploração capitalista e colocasse em risco a estrutura social da burguesia. Neste sentido, muitos dos clubes mais tradicionais do futebol britânico encontram-se em cidades com histórico industrial ou portuário, é o caso de Manchester, Leeds, Liverpool, Southampton, entre outras.

Com a ascensão do fascismo clubes populares foram apropriados pelo regime como meio de propaganda. Na Itália, a Lazio de Roma era o time de preferência de Benito Mussolini. O clube faz contraponto à Roma, time identificado com o proletariado da cidade. Curiosamente, do ponto de vista esportivo a Lazio não obteve grande sucesso com a ligação afetiva do Duce. Seus dois títulos nacionais foram ganhos em épocas bem posteriores. Por outro lado, do ponto de vista ideológico os vínculos com o fascismo ainda são amplos nas manifestações da torcida “laziali”. Em 2001, num clássico contra a Roma, foi estendida uma faixa no meio da torcida com a frase “squadra di neri” (time de negros), em referência a jogadores como Cafu, Aldair, Marcos Assunção e Emerson, brasileiros negros que jogavam na Roma. Mais recentemente, em partida pela Liga Europa, enquanto torcedores da Lazio entoavam cantos fascistas nas arquibancadas do Glasgow Celtic, da Escócia, os britânicos estenderam um mosaico com a representação do enforcamento de Mussolini. O mais grave é que só o Celtic foi punido pela UEFA em virtude da manifestação da sua torcida. Talvez o vínculo mais característico do time italiano com a ideologia fascista seja representado por um ex-jogador seu, Paolo Di Canio, que a cada gol estendia o braço direito com a mal espalmada em direção a torcida, exatamente o mesmo gesto do regime.

Na Alemanha Hitler foi mais pragmático, mas não deixou de usar o futebol como instrumento de propaganda e de auto popularização. Na época da ascensão do nazismo o time mais forte do país era o Schalke 04, clube da cidade mineira de Gelsenkirchen, no vale do Ruhr. A ligação com a classe operária das minas de carvão foi um fator de aproximação com setores populares e influenciou diretamente na escolha pelo Schalke, que, a partir de então, passou a ter tratamento privilegiado em detrimento dos rivais.

Portugal e Espanha, países que viveram sob governos autoritários até a década de 1970, também tiveram o futebol como mecanismo de popularização de seus regimes. Em Portugal o governo de Salazar usou o Benfica como instrumento de propaganda. O clube sempre foi o mais popular da capital Lisboa, antagonizando com o elitista Sporting. Na década de 1960 o Benfica tinha um dos maiores jogadores do futebol mundial, o moçambicano Eusébio. Mesmo sendo cortejado por gigantes de países mais ricos e fortes do continente o “Pantera Negra” foi mantido no Benfica durante quase toda a carreira com influência e financiamento do governo de Salazar. Nessa época o Benfica acabou se consagrando bicampeão europeu e a seleção nacional foi terceira colocada na Copa de 1966, tendo Eusébio como principal jogador nessas ocasiões. Já na Espanha a ligação de Francisco Franco com o Real Madrid nunca foi segredo. Durante seus anos de poder o clube “merengue” chegou a ganhar o campeonato europeu por cinco vezes consecutivas. Foi nessa época que o Barcelona, maior rival dos madridistas, se tornou uma representação política de resistência do povo catalão. Até hoje os superclássicos são mais do que partidas de futebol, são verdadeiros atos políticos entre os unitaristas de Madrid e os independentistas de Barcelona. Recentemente, durante as manifestações pela independência da Catalunha, um confronto entre as duas equipes foi adiado pelas autoridades pelo alto risco de conflitos.

No Brasil os clubes de futebol mais antigos, via de regra, tem sua formação ligada às elites econômicas. Diferentemente do caso inglês, o esporte foi difundido no país como uma prática lúdica e de diversão para os mais abastados, tanto que o amadorismo persistiu até a década de 1930, época em que o profissionalismo já estava consolidado na maior parte da Europa. O próprio processo de inserção das camadas populares, principalmente do elemento negro, foi feito a contragosto dos que dominavam a prática esportiva. Um exemplo característico foi o episódio em que um jogador negro do Fluminense Futebol Clube, historicamente ligado à aristocracia carioca, era obrigado a usar pó de arroz para disfarçar a cor da pele durante os jogos. Com o tempo o clube romantizou esse ato de racismo e o nome pó de arroz serve até hoje para designar carinhosamente o clube.  

Durante a ditadura o futebol não deixou de ser um instrumento utilizado como meio de manobrar o interesse popular e invizibilização dos problemas que afetavam a classe trabalhadora. Durante a década de 1970 o campeonato nacional chegou a ter mais de 90 equipes inscritas. A crise no regime fazia com que lideranças políticas locais barganhassem junto ao poder central apoio para que seus clubes entrassem no campeonato, mesmo que como “sacos de pancada”. Diante dessa situação foi cunhada a anedota que se tornou popular entre os setores que faziam a crítica a ditadura: “Onde a ARENA vai mal, um time no nacional”.

Até hoje os clubes brasileiros são controlados politicamente por personalidades ligadas ao empresariado e políticos normalmente de direita. Muitos deles atuam como mecenas nos clubes de forma a captar apoio entre as massas populares, além de ter acesso direto aos altos recursos que os clubes recebem entre patrocínios e direitos de televisão. A influência dessa classe de pessoas é grande na formação do jogador de futebol enquanto indivíduo. Num país desigual como o Brasil o futebol é tido como tábua de salvação para muitas famílias que investem desde cedo no sonho de ter um filho jogando num grande clube, catapultando toda a parentela da condição de vulnerabilidade social. O jogador de futebol médio no Brasil é uma empresa que responde por muitas pessoas ao seu redor. Diante desse quadro, esses atletas dificilmente concluem sequer o ensino básico, tendo em vista que a natureza da profissão cobra dedicação total desde muito cedo. Naturalmente o meio acaba fazendo desses indivíduos presas fáceis para que esses barões do futebol moldem suas personalidades. Não é à toa que o jogador de futebol brasileiro é tido normalmente como indisciplinado, arrogante, despolitizado e, quando se posiciona politicamente, é a favor de políticos ligados a mesma linha dos que controlam os clubes.

Com tudo isso o futebol não deixa de ser um instrumento de mobilização popular com grande potencial para subverter a ordem vigente. São exemplos internacionais clubes como o Sankt Pauli da Alemanha, que é uma marca da contracultura naquele país. O clube localizado num subúrbio de Hamburgo defende publicamente causas populares, antirracistas e LGBT. Na Itália o Livorno, localizado na cidade de mesmo nome, é historicamente ligado ao Partido Comunista. É comum durante seus jogos ver torcedores do time estenderem símbolos ligados a luta operária. O atleta Lucarelli é um símbolo histórico da pequena equipe que flutua entre a segunda e terceira divisões do campeonato. Com passagem pela seleção nacional, Lucarelli abriu mão de prestígio e dinheiro para dedicar grande parte da carreira ao Livorno e ao comunismo. Na Espanha, o Rayo Vallecano, pequeno time situado em Vallecas, distrito industrial de Madrid, também se destaca pelos laços afetivos entre clube e comunidade, funcionando muitas vezes como mecanismo de apoio comunitário.

Momentos históricos também servem para definir o quanto o futebol pode ser instrumento de denúncia e libertação das camadas oprimidas. Em 1980, durante a ditadura, o governo uruguaio se uniu a FIFA para promover um mundialito. Durante o jogo final que deu o título a seleção da casa, os torcedores gritavam em uníssono pelo fim da ditadura: “Se va acabar, se va acabar, la dictadura militar”. O evento que tinha como objetivo desviar as atenções das massas e promover o regime acabou tendo efeito totalmente contrário. A Copa de 1978 na Argentina, ao mesmo tempo em que foi utilizada para promover o regime de Videla, expôs aos olhos do mundo sua ditadura sanguinária. Na mesma Copa o jogador brasileiro Reinaldo comemorou um gol com o braço em riste e o punho cerrado. O ato lhe custou um puxão de orelhas e a orientação de não repetir a forma em outra ocasião, e a sua negativa lhe custou a vaga no time. Se Reinaldo perdeu espaço na seleção, ao mesmo tempo tirou as autoridades da zona de conforto, obrigando-os a criar um argumento pouco convincente sobre a retirada do craque do Atlético Mineiro.

A Democracia Corintiana foi um marco no processo de reabertura política no Brasil, antes que o regime democrático fosse restaurado ela foi instituída por um breve período no clube paulista. Num caso raro de encontro entre atletas com características que fugiam ao lugar comum do futebol e diante de uma grande crise financeira, os jogares conquistaram o direito de intervir nas decisões da dinâmica do clube. Sócrates, um médico, Casagrande, um jovem libertário e Wladimir, um homem negro e extremamente politizado eram as principais lideranças do movimento que, mesmo contra as expectativas, levou o time a um bicampeonato paulista. Esses atletas também se posicionaram durante o processo das Diretas Já!, o que os tornou pessoas “perigosas” dentro das estruturas ainda militarizadas dos clubes de futebol.

Atualmente vários movimentos de torcedores denunciam o processo de elitização e embranquecimento das arquibancadas. Como forma de “higienizar” o ambiente e tirar o pobre do estádio de futebol os ingressos são cada vez mais caros e o perfil do torcedor, consequentemente, cada vez mais reacionário. As vaias e xingamentos à então presidente Dilma durante a Copa das Confederações em 2013 e a Copa do Mundo de 2014, realizadas aqui no Brasil, mostraram bem o nível desse “novo perfil” do torcedor de estádio.

Em contraposição a esse processo, movimentos de resistência têm surgido dentro das torcidas dos maiores clubes do país. Já são vários os grupos de democratização da arquibancada e de torcidas antifascistas. No início de novembro esses torcedores estiveram reunidos em Porto Alegre no 1º Encontro Nacional Pelo Direito de Torcer, debatendo formas e mecanismos de inserção das pautas populares na política interna dos clubes e formulando meios de garantia do direito à livre manifestação nos estádios, tendo em vista que é extremamente comum as forças de coerção do Estado usarem de força e truculência para impedir que esses torcedores se manifestem politicamente com faixas e adereços. Mesmo com todas as restrições e com a repressão oficial, tem sido comum vermos em transmissões de futebol materiais com críticas à Globo, que monopoliza as transmissões do esporte, e cobrando a omissão do Estado em casos como o de Marielle. O “quem matou Marielle?” ou “Quem mandou matar Marielle?” já circulou por vários estádios desse país.

Por fim, àqueles que criticam o futebol a partir da sua cultura histórica e do uso majoritário da sua visibilidade para os piores fins, devem considerar que existem outras formas de uso do mesmo, podendo colocar nossas demandas também em evidência. Querendo ou não o ambiente do futebol não é um espaço confinado, nem 100% controlado como um estúdio de televisão. Devemos utilizar as suas brechas para, a partir delas, construir uma saída popular para esse instrumento que também é parte da cultura de um povo.

Destaque

Uma crítica ao discurso contrário à polarização política?

Nos últimos anos o mundo tem vivido a escalada política de uma extrema direita com modos fascistas. Esses grupos retomam e tratam com naturalidade valores, conceitos e práticas que erroneamente acreditávamos já terem sido superados definitivamente. Em muitos países essa movimentação tem alcançado maiorias legislativas e governos nacionais. O Brasil é um exemplo, diga-se de passagem. 

Diante desse quadro crítico àqueles que prezam por valores democráticos, progressistas, libertários, socialistas e etc., devem ou deveriam se perguntar sobre o que fazer a partir de então para exercer um contraponto que tenha real efetividade, antes que a barbaridade e opressão ditem definitivamente a regra das relações sociais. Essa não é uma questão fácil e a análise da experiência histórica é central para encontrarmos uma resposta que coloque nossa ação no rumo correto.

Na primeira metade de século XX o mundo viveu duas guerras de proporções gigantescas e, vezes como causa outras como consequência, essas guerras proporcionaram ao mundo regimes sociais conduzidos de forma completamente antagônicas entre si.

O modelo fascista teve suas experiências mais significativas na Itália e Alemanha. Esses dois países tinham em comum o fato de suas unificações enquanto estado-nação ter acontecido apenas na segunda metade do século XIX, causando sérias dificuldades no processo de expansão de suas economias, principalmente durante o neocolonialismo que extorquiu África e Ásia durante aquele século. Uma das razões da Primeira Grande Guerra tinha como argumento a repartição desse butim. Dessa forma, Itália e Alemanha participaram da contenda como parte da Tríplice Aliança ao lado do Império Austro-húngaro, saindo derrotadas do conflito e humilhadas pelos termos do Tratado de Versalhes. A forma como o conflito foi dissipado reforçou uma série de discursos nacionalistas, principalmente entre os derrotados, que encontraram terreno fértil numa população violada, desesperançada e empobrecida. Foi nesse contexto que os regimes de caráter nazifascistas se desenvolveram a ponto de um novo conflito internacional eclodir duas décadas após o fim da Primeira Guerra.

Por outro lado, o mesmo conflito bélico foi uma janela de oportunidade para a ascensão de um modelo de sociedade antagônico ao fascismo. Na Rússia, desde o século XIX, uma série de mobilizações buscava pôr fim ao regime absolutista conduzido pela dinastia dos Romanov. Em 1917 a guerra debilitava as condições de vida da população ao mesmo tempo em que os privilégios da monarquia e das elites sociais eram preservados. Foi esse cenário que desencadeou o processo revolucionário conduzido pelo Partido Bolchevique, tomando o poder e derrubando o antigo regime imperial, instituindo anos depois a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Estado comunista de orientação marxista. Curiosamente, naquela época, compreendia-se que a consolidação do socialismo na Rússia seria uma contradição à ciência de Marx, tendo em vista que o necessário desenvolvimento das forças produtivas não seria suficiente naquele país até aquele momento.

Ao contrário do que diz o discurso hegemônico, a União Soviética foi a principal responsável pelo desfecho da Segunda Guerra, colocando por terra o projeto expansionista dos países do Eixo. Essa vitória permitiu por algumas décadas que o socialismo fizesse um contraponto constante à parte capitalista do mundo, exercendo uma espécie de freio ao caminho natural de espoliação do trabalho e concentração da riqueza promovido pelo modo de produção hegemônico. Diante disso, os países capitalistas foram obrigados a encontrar uma alternativa para que os povos sob seu controle não se sentissem estimulados a levar adiante processos revolucionários como ocorrido na Rússia, tendo em vista os níveis crescentes de melhoria nas condições de vida e avanços sociais proporcionados pelo comunismo. Essa alternativa dos capitalistas foi o chamado Walfare State, ou seja, a implementação de políticas de bem-estar social.  

Enfim, qual o contributo dessa análise histórica na fundamentação de uma resposta ao questionamento do início do texto, tomando por base a nossa realidade contemporânea? A resposta é a seguinte: Não será rebaixando nossas pautas que conseguiremos reverter o quadro que está posto no Brasil. Não será nos aproximando do discurso hegemônico que nos tornaremos alternativa para a classe trabalhadora. É necessário que se realize a tão condenada polarização, pois, foi exatamente no momento histórico em que as vanguardas se puseram mais à esquerda do espectro político que a massa trabalhadora foi mobilizada a ponto de conquistar o poder real e assim avançar num verdadeiro processo de transformação social.

Algumas personalidades políticas têm se posicionado criticamente em relação a postura firme adotada por Lula desde que saiu da prisão. Por covardia ou conveniência elas defendem que Lula e o PT se adequem ao contexto e não se proponham à transformá-lo. Na verdade, essa postura tende a levar as massas ao caminho da capitulação definitiva, cabendo a nós combate-la até o fim.